OLÁÁÁ!!! GERINGONCEIROS!

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2 de abr. de 2009

Dançando com Fellini

Gente Boa, segue abaixo uma entrevista realizada com Fábio Maleronka, um dos grandes nomes por trás do Projeto Geringonça. Todas as perguntas foram elaboradas pelo Vinicius Longo, eterno Geringonceiro e responsável pela revista eletrônica Guerrilha Aberta (www.guerrilhaaberta.com). Resolvemos abrir essa entrevista para o público, para que todos entendessem melhor como "giram as engrenagens" desse fazer multiartístico que agrega cada vez mais pessoas dispostas ao bem coletivo que os encontros com diferentes midias proporciona.

Agradecemos, Equipe Geringonça.

1. Como foi o processo de transformação do projeto TudéPalco!, no final do ano de 2003, para o Projeto Geringonça, no início de maio de 2004?
Fábio - Pois é. Eu quero responder essa pergunta do jeito legal. É... O que acontece é que o TudéPalco! foi um piloto, né. Foi uma primeira introspecção que nós fizemos junto com a galera do SESC Rio pela Tijuca. Ele tinha uma estrutura em que... O que existia era buscar o que rolava por aqui, que jovem era esse que estava por aqui, que caras eram esses que estavam por aqui... E trazer, pra fazer um som multiartístico. Onde as pessoas pudessem se apresentar e aí testar as infinitas possibilidades e tal. Então acho que um exemplo que é muito característico do TudéPalco! foi um filme que a gente fez... Que é o 6 Bilhões. Era aquele interesse, uma idéia que a gente tinha bolado junto com o Guilherme Zarvos, que era no estilo de um filme do Glauber Rocha chamado Câncer, onde ele pega o Antonio Pitanga e ele vai com a câmera, eu acho o melhor filme do Glauber inclusive, ele pega o Pitanga e vai pra uma... Vai com a câmera atrás do cara e o cara vai perguntando em todos os lugares onde eles passam, “Doutor, por favor, me dá um emprego?”, e respondem: “ que emprego cara, num tá vendo que aqui não tem? e eu vou dar emprego pra preto, cara? Nem pra branco tem!” E ele vai vendo as respostas das pessoas. E a gente foi muito motivado por esse interesse daquele momento, que era saber o que era isso aqui. Então a gente saiu com uma pergunta, que era “o que é arte pra você?” e as respostas das pessoas. Eu acho que era muito um trabalho de especulação. Quando a gente decidiu assumir o projeto, o quê que muda dessa idéia original, de especulação, de teste, pra um projeto como o TudéPalco!? Eu tinha junto com a Zezé, e do próprio debate com as pessoas, essas coisas não são construídas muito... De ninguém. É de todo mundo, né. Então o lance era muito assim: o quê que pode... Como a gente pode fazer um projeto nessa área? Eu achava que só ia ser possível se a gente rompesse com o que significava exatamente a idéia de espectador e de público. Pra isso, nós precisávamos desenvolver algum mecanismo de contato físico, na época eu já tinha olhado muito pra experiência dos movimentos sociais, então a idéia era a gente ter uma equipe rotativa, que a permanência fosse escancarada logo no começo: “olha, isso aqui vai durar três meses e depois você vai embora. Isso não serve pra nada, não tem uma utilidade prática nem vai te melhorar como profissional”. Né. Isso serve pra isso aqui, que é você construir um olhar sobre a sua região ou outras regiões, porque depois fomos agregando outras regiões, junto com outras pessoas, é pra ser um coletivo né. É por isso que a gente insistia tanto nesse negócio de “ponto de encontro”. E esse mecanismo de rotação da equipe que eu sempre achei, eu sempre acho, que é a alma do Geringonça, a coisa mais importante pro Geringonça. Qualquer projeto... A Viviane, por exemplo, se ela ficasse seis meses numa equipe, ela com certeza ia ficar toda “sou uma produtora cultural!”(risos), não ia ter esse lance de estar todo mundo aprendendo... Vocês por exemplo, que são estagiárias, daqui três meses aparecem pessoas aqui com personalidades diferentes, e vocês têm que aprender a lidar com isso. E isso tem uma beleza enorme, vai fazendo com que a coisa se multiplique de um jeito muito legal, que foi o que aconteceu. É um acerto do projeto. Se tem um acerto do Geringonça, são as equipes rotativas. Todas as outras coisas são detalhes perante a isso, eu acho que isso é a coisa mais importante. Isso permitiu que muita gente circulasse, e essa circulação dá um arejamento, um refresco sempre constante.
2. O ano de 2003 foi um ano importante, primeiro ano do governo Lula. Isso foi motivo de alguma mudança?
Nenhuma. Acho que nenhuma. Inclusive, isso é uma coisa muito legal. É claro que acho legal que adultos tenham militâncias políticas na vida, acho isso uma coisa bacana, é demais. Não precisa ser partidário, mas ter uma militância política na vida, poxa, é o mínimo que você faz. Que seja no condomínio do prédio. Agora, a gente nunca permitiu que nenhuma... Nenhum grupo entrasse, até em anos eleitorais, em que grupos partidários se aproximavam do projeto a gente “não, não, não” e tal, porque a gente sabe que isso tem implicações. É isso, nunca teve, e eu não vou dar uma opinião política sobre o Lula porque eu trabalhei no governo do Lula. Não vou defender e nem criticá-lo, porque demoraria muito mais tempo na conversa... E nem vou defender ou criticar o Gil porque não tem cabimento. Eu trabalhei com o cara, não vou... Acho sacanagem fazer isso né.

3. O Projeto Geringonça pode ser considerado o projeto pioneiro a trabalhar com a juventude no SESC Rio? Como foi essa implantação, de escolher trabalhar com a juventude, como diz Helena Abramo, de abordar a cultura pela sua dimensão através da educação?
Pois é, eu sou amigo da Helena e convivi bastante com a Helena. Eu acho que essa coisa da Helena tá errada. Não concordo com isso, já conversei várias vezes com ela sobre esse assunto. Eu acho o seguinte: é... Quem tinha uma preocupação em trabalhar com a Juventude era a Maria José e a GEDUC. Elas que são responsáveis por isso, eu não tenho nada a ver com essa história. Elas tinham um desejo enorme... Quem inventou essa história, todos os créditos e méritos são da instituição SESC. Eu trabalhava com outras coisas, Juventude sempre foi uma coisa que me interessou, mas nunca foi centro, achei demais quando apareceu pra gente desenvolver. Todos os méritos dessa decisão do SESC, de tatear a questão da Juventude, que seja de novo o mesmo tema, mas vamos... Vamos trabalhar isso de várias formas, com a arte pública, com as pessoas que tão produzindo as coisas, uma coisa que é super legal do Geringonça é o pai ver o filho tocar, que o Teatro Ziembinski não faz, entendeu. Então, às vezes transcende muito... Eu acho super bonito a mãe vir ver o menino tocar. Demais! Porque ela vai vir aqui? Porque ela fica emocionada? Porque ela não teve outro lugar pra ir, né. Então... Quem tem mérito nessa decisão, acho que deu certo aí de encontrar o Maurício, a Patrícia, a galera aqui, e que deu certo também da gente ir tentando, fazendo experiências, construindo muito também com os estagiários e com a galera o que a gente fez. A decisão de se trabalhar com isso eu acho que foi tardia, deveria ter sido tomada antes, a gente tentou de vários jeitos, acho que também tem isso, de se fazer um balanço. O que eu sei é isso, quando eu cheguei isso já tava definido, era um rumo da Sede.

4. Uma das primeiras discussões era a escolha de não vender bebidas alcoólicas e não reproduzir o modelo que era largamente difundido, de vincular o jovem com o consumo de álcool. Foi difícil lidar com essa questão ao longo dos anos? O projeto teve que lidar com mais alguma polêmica?
Olha só, só pra poder voltar, pra que a gente não caia num campo moralista de debate. Eu acho que as pessoas não devem ser julgadas pelo uso de drogas, pelo uso de álcool, por opção sexual ou qualquer outra coisa. Isso é um discurso meio moralista. Obviamente, se a gente queria trabalhar com um projeto que primeiro, trabalhava com gente menor de 18 anos, não podia ter bebida alcoólica, como a padaria faz. Como qualquer boteco faz, não vender cigarro pra menor de idade. Isso é ética. Se você tiver um filho e mandar seu filho comprar cigarro na padaria, você pode parar lá e rezar três ave-marias e padre nossos, porque você acabou de cometer um equívoco ético, você não vai fazer isso. Nem com seu filho e nem com o filho dos outros, nem com o cara que vende né. Agora... A coisa de não ter bebida, isso é um pouco da marca dos projetos e tal, é uma coisa por aí que é muito legal, que é o seguinte: Não é moralismo, não é moralismo de jeito nenhum, as pessoas devem tomar cerveja, devem curtir a vida e fazer o que quiserem. Então é um lance que, o cara tá se apresentando num ambiente super descontraído, e quando começou esse projeto a gente queria deixar todo mundo circular... A galera lá fora conversando, entrando e saindo do teatro... E tinha muita gente que chegava aqui ás seis, sete horas e nem entrava no teatro, só dava umas visitadas, mas eu acho que isso é fruir artístico. E eu acho que, se tem um cara que ta fazendo uma coisa, principalmente em teatro e tal, e tem alguém bebendo, incomoda. Acho que se o cara tá fazendo coisas que às vezes exigem silêncio absoluto e tal, e tem um cara bêbado enchendo o saco, isso detona. E acho que tira um clima... Que é um clima que a gente sempre quis dar, que é a parte de trás do teatro, todos os rudimentos, todos os camarins, que o acesso às bambolinas tivesse uma liberdade, que o maquinário funcionasse como um lance.... Bacana é que aquilo fosse aberto ao público, e a gente jamais poderia fazer isso se a galera tivesse bebendo, né. Jamais. Essa liberdade que às vezes as pessoas achavam que era amadorismo e era de propósito, puxa, era demais. Muito difícil fazer isso. Isso era uma coisa proposital, a gente queria que aquele maquinário fosse visto e usado, que o entra-e-sai existisse, que as pessoas tivessem que agir com um cara que elas nem conhecem pra tirar o cara do palco, que o cara tivesse que dialogar com o público, que se acontecesse de ter uma vaia que tivesse, entendeu, isso faz parte da vida, nunca aconteceu nenhuma tragédia aqui. Lidar com os chatos, bêbados ou não, faz parte da vida, a gente tem que lidar com os chatos aqui fora, tem em tudo quanto é lugar. Não se preocupa que isso tem fábrica (risos).
Polêmica mesmo foi a questão das equipes. Essa sim foi uma coisa polêmica. A idéia de que o cara entra e depois não quer sair, e o porquê disso, continua tendo, isso teve polêmica sempre, principalmente no primeiro ano de projeto, isso foi muito delicado. Eu também não gostaria de ter que sair daqui, provavelmente.

5. Alguns textos e publicações antigas mostram que foram feitas pesquisas pela Tijuca que consideravam o bairro como um hibridismo da cidade, pois não está na periferia, com a marginalização espacial, mas também não conta com os privilégios e a quantidade de equipamentos da Zona Sul, Barra e Centro. Escolher a Tijuca como ponto estratégico foi crucial para o projeto? Qual foi o resultado dessa escolha durante os anos que você esteve à frente do projeto?
Eu acho que o Vinícius tem uma dificuldade em entender metáforas, e acho que por isso que ele formulou essa pergunta. Porque assim, na verdade as coisas foram ao contrário. Nós não escolhemos a Tijuca, mas foi a primeira unidade e foi. Não teve uma escolha da Tijuca, não teve um desejo institucional do SESC, aconteceu, rolou. Quando nós fomos escrever a publicação, nós fomos atrás da pesquisa do bairro, não dá pro rabo abanar o cachorro nessa questão. Depois de a pesquisa indicar qual a história desses caras, de descobrir que tem uma questão roqueira mesmo aqui, das casas de samba, Erasmão, todo mundo tá aqui, Robertão... Isso é demais. Isso favorece, tem um lance da tijuca mesmo de sair duns anos dourados de minissérie da Globo e voltar pro diálogo com a violência, tudo isso é bacana. Agora, não é o único, tem vários lugares assim, o grande Rio tem milhares de lugares. Se você for a Icaraí é o mesmo, uma parte rica e outra não. Tem vários lugares da cidade que tem espaços... Isso foi um artifício retórico, que a gente usou na hora de pesquisar e escrever o texto, pra que não ficasse um texto... O raciocínio tá por aí. Quê que adianta eu achar que sou um cara produtor super ousado, interessante, se eu tenho uma prática de vida conservadora? Então de quê adiantaria a gente produzir uma documentação extremamente travada, como se fosse um relatório, pra colocar na revista? A opção por aquela revista foi por causa da beleza, foi pra dizer que nós também somos beleza. Buscar a beleza não é feio, a beleza não é ruim, não tem problema nenhum em buscar a beleza. Você não vai deixar de ser engajado se procurar beleza também. É válido. Então, a busca por aquele texto, escrito em “saltinhos”, ele tem um estilo, foi uma busca por estilo mesmo, a gente queria buscar esse estilo. É uma coisa que se repete várias vezes. E não perder a busca por estilo sabe?

6. Patricia: Voltando a essa questão da permanência das equipes, isso é muito discutido atualmente no projeto. “Por que manter a equipe durante só três meses? Por que a gente não faz duas equipes que durem seis meses?” E eu sou uma chata e fico falando “não, eu acho que isso é importante pras nossas atividades, porque dá uma oxigenação, de três em três meses temos outras pessoas trazendo novas idéias, enfim... A gente tá permanentemente se discutindo.
Pois é. A questão dos três meses eu acho que é porque dá pra segurar a onda de bom humor. É cabalístico! Porque três? Porque não quatro? Poderiam ser dois, cinco, mas são três porque a gente achou que era mais ou menos por aí, mas é uma coisa meio mística, cabalística (risos). Foram três no começo e continua assim, poderiam ser três meses, quinze dias e duas horas. Acho que as pessoas querem coisas cristalizadas, o cara quer entrar no Geringonça, se ele se interessa por arte, quer virar estagiário, depois funcionário e depois presidente do SESC e aí vai. É um desejo das pessoas por uma segurança de vida. “Poxa, agora tá tão legal, tô numa fase tão bacana da minha vida, e tenho que sair?” Mas o cara não tá saindo pra dar lugar pros outros. Ele tá saindo porque o projeto cumpriu seu papel pra ele. Inventa outro, vai pra outro lugar... Muita gente fez isso.

7. Lembro que escrevi um texto quando você ainda estava à frente do projeto, em 2004, enquanto atuava como poeta, chamado “Geringonça: um projeto sem dono”, pois há uma lógica sobre a rotatividade de grupos juvenis (que são responsáveis não só por produzir, mas por realizar a curadoria dos materiais etc.) para evitar panelinhas, onde sempre aparecem as mesmas pessoas. Para você, qual foi a maior conquista que o projeto assumiu?
Olha, já respondi uma parte, mas voltando, panelinha não é só no Geringonça não, a Academia Brasileira de Letras é uma das maiores panelinhas da face da terra! É só panelinha. Você ter que trabalhar com uma idéia de liberdade, é o seguinte, posso falar uma coisa pra você. Posso ser incisivo e metálico contigo: A coisa da panelinha não permite que o diálogo role, porque o cara não devolve. São sempre os mesmos caras falando as mesmas coisas. Não tem essa. Da mesma forma que o cara às vezes chega aqui achando que é uma estrela, que ele tem que ser tratado como se fosse um mega show, o cara que tá trabalhando na equipe pode chegar e dizer “opa, vamo lá cara, tô lavando um leão aqui cara, segurando a peteca toda e você vem aqui encher o saco?” (risos). Isso é bom, sempre gostei da idéia do conflito disenso. Ser plural, né. Tão legal isso, você se envolver com gente diferente, ter amigos de idades diferentes, conviver com pessoas diferentes, isso é uma coisa que engrandece, é uma tradição tão bonita do Humanismo...

8. Como um dos colaboradores do Plano Nacional de Cultura, o que você vê como perspectiva da participação juvenil? Não só para conquistar seu espaço cultural, mas como formulador de políticas públicas? Sinto que é cada vez mais difícil fazer cultura nesse país enquanto se é jovem, pois você tem pouco a oferecer e te cobram tudo, impostos etc., e a exigência é a mesma de um grupo cultural grande e consagrado.
Ele tá dizendo duas coisas misturadas aí. Ele tá fazendo uma pergunta de uma coisa sob o meu entender, pra perguntar outra coisa. Uma coisa é o amador e o consagrado, outra é o jovem e... Eu não vejo que o jovem não tem espaço. Não vejo isso. Não vejo o mundo dessa forma. Inclusive eu acho que tiveram épocas em que o jovem teve muito menos espaço. Hoje, falando de ditadura, tem uns caras que dizem que era uma beleza, rolava tudo, que era super tranqüilo... E não era tranqüilo. Né. Existia uma dificuldade enorme de produzir. É ruim você tomar porrada pra criar. Não é bom, esse papo de que você apanhando cria mais, isso é conversa mole. Eu chamo um pouco isso de uma galera do MIB, que é a Música Impopular Brasileira, se tá impopular tá ótimo. Agora, na questão de amador, e a coisa do plano, de se pensar em questões em que, a gente que fez a coisa... Em que não a juventude, mas todo mundo... outro dia chegou um cara pra mim... Um cara modelo, negro. “poxa, o mercado da moda é muito segregacionista, muito preconceituoso, não abre espaço pra negros” Pois é, não abre pra feios, pra gordos, não abre espaço pra ninguém, é uma coisa que por natureza é segregacionista, não só pra negros, é pra todo mundo, né. Ou você vê alguém que tem deficiência física desfilando na passarela? Acho que o que a gente tem que fazer é retomar a questão da diversidade, isso também virou um papo de maluco, tem gente falando de diversidade pra falar num mundo diverso... Não é isso. Tem que trabalhar com as populações, com tipos de produção que nunca tiveram oportunidade no Brasil. É. O problema é sério, nunca ninguém investiu em índio no Brasil, “índio não produz cultura”, nunca ninguém financiou o negro no Brasil... É muito complexo. Por exemplo, tem uma proposta de um exemplo prático nas formulações do Plano, são pessoas muito mais abastadas do que eu, mas... Mas lembro que eles estavam discutindo sobre motoboys. Que geralmente são jovens, tão circulando pela cidade... Motoboy. Proteção do patrimônio pelo motoboy. Eles davam um site pro cara e eles ficavam olhando a cidade pra ver onde tá rolando detonação do patrimônio da cidade ou não. Motoboy. Quer dizer, a coisa é muito mais complexa do que juventude. Com o quê você tá trabalhando de fato? Agora, nós temos um papel, quer dizer, o Plano, a nação, o Estado, a população, a iniciativa privada: de que a diversidade seja um patrimônio, mas sem medo. Sem a coisa do Ali Kamel, da Globo “ Ai, não existe racismo no Brasil”, tem racismo no Brasil, tem sexismo no Brasil. Tem esquemas de trabalho extremamente opressores, e nós temos que trabalhar política cultural pra um cara que tá numa mina de carvão! Gente que nunca teve acesso. Acho que é complicado, até pro Geringonça, ter que trabalhar com os limites das coisas que a gente faz. É difícil pra alguém que tá num bairro de classe média no Rio de Janeiro discutir a questão do acesso do jovem. Imagina a galera, então! Imagina quem tá em Serra Pelada, num garimpo! Sabe, é isso que eu to querendo dizer, o estado sempre teve a obrigação de fazer algo por esses caras! Pra esses caras terem acesso à cultura, pra vida deles. De tradições que vão acabar morrendo, as populações estão diminuindo, a idéia central do Plano é que a diversidade seja um patrimônio, e a gente precisa cuidar disso. Não é tombar e deixar sacralizado, mas poxa, porque a gente não vai produzir política pra pescador, não tem jovem que é pescador? Ele tem uma outra história de vida, poxa. Pescador às vezes do rio Amazonas, por exemplo. Do baixo Solimões... O cara tem uma história, é jovem, ele tem uma história também, junto à comunidade dele... O Plano abre a idéia pra isso. Isso nunca foi feito. O estado tem a obrigação de incentivar não as diversidades, esse termo clássico, mas a complexidade. A complexidade é bacana. Existe uma nova demanda, um novo grupo que a gente nem sabe qual é, que vai despontar daqui a dez anos, e que se tiver uma demanda, se for um grupo que não tem acesso a formas de produzir ou registrar, nós temos que possibilitar isso.

9. Para você, o que é ser Artista no Brasil?
Ah... Eu acho que é como ser artista em qualquer lugar do mundo. Eu tava discutindo com uns americanos outro dia, e o Obama tá querendo criar um Ministério da Cultura nos Estados Unidos. Pois é, não tem Ministério da Cultura nos Estados Unidos! O que eu tô querendo dizer é, assim, é complexo ser artista, eu acho complexo ser produtor, mas não vou dizer que é difícil ser artista. Não vou dizer isso. Se você perguntar pra um cara na França, em Paris, ou pra um cara que tá morando na Brodway... Mas eu acho que é mais fácil ser artista no Brasil do que na Somália. Agora, se ele tá perguntando sobre ser artista no sentido profissional, isso tem um campo. Se for uma questão mais interessante, “o que significa a arte no Brasil”, eu não vou entrar nesse papo coorporativo “nossa, a música brasileira é o maior patrimônio, uma beleza” a gente não tem... Tem problemas e a gente tem que compreender a natureza desses problemas, “ninguém consegue sobreviver de arte no Brasil”, esse é o papo que o cara... Se eu fosse metalúrgico eu também falaria “ganho mal pra caramba, trabalho pra caramba”. Acho que existem problemas. Mas acho que o ambiente brasileiro é um ambiente, ainda mais agora, nesse momento, extremamente interessante. A gente tá vivendo um momento extremamente legal da história da cultura no Brasil. Eu acho que é impressionante o que tá acontecendo. É claro que tem pólos, pujanças, o Nordeste tá puxando demais... Acho que existe um esgotamento do eixo, em termos criativos, inclusive já deu né. Cem anos de Rio de Janeiro, Cem anos de São Paulo, ninguém agüenta mais! O interior do Nordeste como nova forma de economia Não tô falando da onda Mombojó, nem Chico Science... Mas eu acho que, por exemplo, a Amazônia é outro lance, acho que com o Fórum é um lance que vai começar a aparecer, produtos culturais extremamente legais. Enfim, acho que é bacana ser artista no Brasil. Bem melhor que ser bancário (risos)!

10. Tem alguma pergunta que você gostaria que eu fizesse? Faltou alguma coisa? Esse espaço é para você falar o que quiser.
Um lance legal é discutir o que você quiser. Na verdade, eu tenho uma ligação com isso, tava trabalhando exatamente com os “fale conosco”, a participação do internauta, esse grande Big Brother que virou esse país. Que é uma participação falsa. “Vamos responder às perguntas do internauta”, aí três caras filtrando a pergunta do cara, quando acabam chega a única pergunta facinha. A gente tem que construir um país que fale. Acho que é importante falar o que quiser mesmo. Esse espaço do falar o que quiser, mas pra valer, “eu vou falar, você vai ouvir”? Aí o cara “Posso?” “Pode”. O país não permite isso. Um país que é extremamente precário, dominado, por corporações, como outros também, como a maioria, com essa estrutura comunicativa tradicional, construindo o imaginário brasileiro... Eu acho que o Boni aceitou na veia com o que ele descobriu com a manipulação através da telenovela... Agora, o que eu acho que existe, reside, é a gente poder pensar um país onde role o debate. Voltando pro Geringonça, talvez ele não tenha conseguido acertar bastante nesse sentido, mas ele tentou. Nós nunca construímos uma oficina de cima pra baixo. A gente até escolhia, claro, mas a proposta da oficina é de um processo de diálogo, você conversa com o outro. Na macroestrutura as pessoas não conversam. Não conversam. Tão começando a conversar, mas não conversam. E isso não depende de governo. Isso depende das pessoas, esse lance, essa grande coisa que virou a indústria de ficar sozinho é muito chato, é uma coisa que ninguém mais quer, se alguém quiser vai acabar desistindo, porque a forma mudou, o jeito mudou, as coisas mudaram. Quem quiser trabalhar sozinho não vai, e a vida não é um grande RH. Não é um grande departamento de normas, serviços e padrões. Pra você conversar você precisa de inflexões. Às vezes você tá falando com alguém e o cara faz uma cara. Aí você discutir a cara, a interjeição de linguagem. Buscar a verve mais livre, né. Eu até falei pra Patricia, acho que quando a gente pensou o modelo estético do Geringonça, eu tava muito ligado ao modelo do Chaplin de engrenagem. A gente usava o modelo da engrenagem pra construir o que significava uma geringonça, que é uma máquina do Chaplin, porcas, parafusos, essas coisas, era uma imagem que a gente usou muito no projeto, repetidamente, de mecânica, hidráulica, e tal. Eu acho que não, hoje, talvez se eu fosse apontar, eu ia apontar pra isso, uma festa mais felliniana, uma coisa mais alegre, um descompromisso de discutir, que o sistema estivesse mais livre pra permitir que os diálogos fossem mais divididos. Sabe aquela reunião que você chega e, sabe, o jogo já tá todo combinado. Cada um cumpre um papel. Eu acho que essa reunião acabou. A tal reunião, que organiza o mundo do trabalho, foi pro beleléu. Beleléu. Quem entrar nessa, de falar “ah não, não vou falar o que eu realmente penso, o que vão pensar de mim, como eu vou agir?”. Não tô sendo ingênuo com relação às repressões. Mas isso, pra frente, acabou. Se tem alguém achando que isso vai resistir mais dez anos... Isso não vai resistir. É um pouco isso. Da coisa do diálogo, da coisa do “quê que você queria falar?” Essa é uma boa pergunta pro Geringonça. Falar o que você quiser falar desde que isso seja verdade. Desde que esteja rolando, né. Acho que é por aí.

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